“Pedro é um escritor talentoso, dedicado e comprometido com a literatura — quer seja como um leitor voraz, quer seja como o autor devotado e de ampla bagagem cultural que é. Com um vocabulário riquíssimo, parte de seu léxico familiar, ele tem muito a enriquecer a literatura brasileira contemporânea.”
Fabiane Secches, crítica literária e escritora
“Amanhã tardará” (Editora Planeta do Brasil, 320 págs.) é o primeiro romance e segundo livro do escritor cearense Pedro Jucá, nome que ascende na literatura brasileira contemporânea. Inaugurando linha de autores nacionais do selo Tusquets, da editora Planeta, a obra traz uma profunda reflexão sobre as complexidades das relações familiares e as marcas indeléveis que a infância deixa sobre o desejo, a sexualidade e a percepção do tempo.
Pedro Jucá participa da 70º Feira do Livro de Porto Alegre, no dia 08/11, às 17h30, em uma mesa com o tema “Tecendo a escrita entre a experiência e o imaginado”, na Sala Noé de Melo Freitas (Espaço Força e Luz, Andradas, 1223). Nessa ocasião, o autor e Paulo Roberto Farias conversam sobre a prática da escrita como elaboração das experiências vividas, tendo como ponto de partida os recentes lançamentos de seus respectivos livros: o romance “Amanhã tardará” (Ed. Planeta, selo Tusquets) e o livro de crônicas e memórias “Um rio corre dentro do meu sonho” (Ed. Caos & Letras).
Um relato arrebatador sobre as relações familiares e a condição humana
A trama gira em torno de Marcelo, que, com a iminência da morte do pai, retorna dos Estados Unidos para a pequena e fria cidade de Ourives, onde cresceu. Lá, ele se vê forçado a confrontar o passado e as dolorosas memórias familiares, incluindo a ruptura com a irmã e as relações que moldaram sua personalidade. A tragédia arrasta a família inteira para um sofrimento profundo e nunca expurgado. Às margens desse excesso de silêncio, temas como trauma, finitude e sexualidade assombram cada personagem da trama e os encaminha para um desfecho que, de tão inevitável, só consegue ser surpreendente. Do início ao fim do livro, o leitor encara um romance de formação com aspectos psicológicos delineados e incisivos.
Em uma narrativa densa e introspectiva, mas fluida, e com influências da psicanálise, Pedro Jucá explora temas universais como o trauma, o comportamento humano e a imponência da passagem do tempo. O livro, cuidadosamente construído, promete cativar os leitores com sua abordagem sensível e profunda das cicatrizes emocionais que carregamos ao longo da vida.
Para o autor, a obra é uma história sobre os laços familiares com todas as suas complexidades, nuances, contradições, incongruências, inconsistências e descompassos. “É sobre como família é brutal”, sentencia, fazendo eco ao narrador da história, e complementa: “Sobre nosso destino sublime e infernal de carregar indeléveis, na memória e no corpo, os traços da primeira infância”.
“Amanhã tardará” é dividido em seis partes. Em cada uma delas, há duas linhas temporais: presente e passado. No tempo atual, o narrador descreve o retorno a casa em Ourives, uma vila cortada pelo rio que nomeia o local. Ali reencontra a família nuclear, pai e mãe em idade avançada, lidando com enfermidades. Ao retratar os anos já vividos, retoma a própria infância e o início da juventude, incluindo nesse mote, além dos pais, a irmã – uma das personagens principais da trama – e parentes próximos.
À medida que o enredo avança, acompanhamos o passar dos dias de uma família que, mergulhada na dor, não consegue se estruturar para lidar com os infortúnios e, cada um à sua maneira, entrega-se a um processo solitário de autodestruição. Marcelo, a lente que guia o leitor na história, descreve com crueza desconcertante os mecanismos pelos quais inflige dor a si mesmo.
A estrutura psicológica arquitetada e as metáforas empregadas pelo escritor são destaques da obra. Com maturidade, Pedro explora os sentimentos de cada personagem, concedendo-lhes uma diversidade emocional ampla e complexa. Pouco a pouco, o escritor vai encaixando as peças do enredo para, no fim, o leitor compreender a causa – e as consequências – dos atos do protagonista. O livro se conclui como um relato arrebatador e desconcertante da condição humana, posicionando Pedro Jucá entre um dos nomes expoentes da nova geração da literatura brasileira.
O livro vai escrevendo a gente
Pedro Jucá nasceu em Fortaleza, Ceará, em 1989. Morou na capital cearense até 2018, quando migrou para o Paraná, no sul do país. O motivo da mudança foi profissional: havia sido aprovado no concurso para Procurador do Estado, morando inicialmente em Paranaguá, no litoral, e depois em Curitiba, onde permanece até hoje, vivendo com seus três gatos: Willow, Hopper e Nimbus.
O cearense é formado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC), pós-graduado em Escrita Criativa pela Universidade de Fortaleza (Unifor), e pós-graduando em Psicanálise, Arte e Literatura pelo Instituto ESPE.
Ainda que atue profissionalmente na área jurídica, ao escolher se dedicar nos últimos anos a formações relacionadas às artes, em especial à escrita, Pedro busca explorar outros talentos. Crescido numa família de artistas, o autor acredita que suas primeiras influências vieram de quem o rodeava quando pequeno. “Vovô escreveu livros técnicos e redigiu poemas; vovó era formada em acordeon, cantava, tocava piano; mamãe foi professora de dança a vida inteira; meus tios todos têm veia artística e, do lado do meu pai, vovó sempre leu muito”, explica.
Sua primeira publicação veio a partir da sensibilidade de sua avó. Quando Pedro fez 18 anos, ela compilou as histórias que ele escrevia quando menino num livrinho feito artesanalmente. Passadas a infância e adolescência, quando escreveu contos avulsos para premiações literárias, só retornou definitivamente ao universo literário em 2020, na época da pandemia, e considera esse o grande projeto da sua vida: se dedicar à escrita.
E a escolha deu frutos. Na breve carreira, já foi contemplado com prêmios como o Prêmio Ideal Clube de Literatura, Prêmio Off Flip e Prêmio de Literatura UNIFOR. Do processo de isolamento nasceu o livro de contos Coisa Amor (Editora Urutau) e também os primeiros rascunhos de “Amanhã Tardará”, que levou mais de quatro anos para ser finalizado. Atualmente é agenciado pela Agência Riff e escreve crônicas para o portal Curitiba Cult.
A estreia do romance, agora em 2024, tornou-se um marco em sua carreira literária. “A obra me transformou num escritor mais maduro, com maior segurança e desenvoltura para, inclusive, saber abrir mão de trechos, conceitos, ideias e palavras, tudo em prol do efeito final”, revela Pedro. O jovem autor ainda comenta sobre o impacto do livro em sua vida pessoal e a tomada de consciência de que uma das questões principais da obra, a respiração, tinha correlação direta com sua experiência com a ansiedade. “A gente escreve o livro, e, de alguma maneira, o livro vai escrevendo a gente também”, sentencia.
Confira um trecho do livro (pág. 112):
“Na expectativa de quebrar o silêncio, ele se atrapalhou e me perguntou o que eu estava fazendo em Ourives. Seu rosto lívido voltou a ganhar um pouco de cor, corando de vergonha. Tratava-se, afinal, de uma resposta óbvia. Eu me virei para minha mãe e, em uma aposta cômica, disse que era porque ela tinha perdido a mão para fazer bolachas, então eu tinha vindo salvar a família daquela tragédia. Falei isso e, sem saber como levar a conversa adiante, pisquei para meu pai à maneira de um adulto que conta piadas a uma criança.
Ele se desarmou e ensaiou um começo de gargalhada entrecortada de tosse. Aquilo nos enlaçou em um pacto invisível, no qual ambos aceitamos a inversão de papéis: no passeio de carro metafórico, quem assumiria o volante seria eu – quem ocuparia o banco de trás, se aproveitando da trepidação mecânica para adormecer, seria ele. Filho de mim, meu pai seria um melhor pai do que havia sido durante toda a vida, vida que, sabíamos, logo encontraria um fim”.
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VERIANA RIBEIRO ALVES
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